O que é uma obra de arte?
![]() |
Dick Higgins, o crítico de arte que comprou um computador |
A partir da década de 1980, quase todas essas experimentações convergiram para o uso do computador e suas inúmeras ferramentas de suporte. Microsoft Excel, Power Point, Macromedia Flash, Adobe Reader, Microsoft DOS, e tantas outros softwares
![]() |
Se você não sabe que jogo é esse, por favor, se mata |
Mas a
década de 1980 não marcou apenas o nascimento da pessoa mais sexy do mundo: eu surgimento dos computadores
pessoais. Paralelamente, tivemos nela também o surgimento de uma
nova e lucrativa indústria: a dos videogames. Desde a popularização
do Atari 2600, os games vem passando por um contínuo processo de
aprimoramento, seja na parte gráfica, de jogabilidade ou de enredo.
De jogos como “Futebol”, “Tênis” e “Pong”, que
eu não vou explicar aqui como que era que vocês já deve estar cansados de saber das barrinhas e da bolinha,
até jogos bem mais recentes, como “Assassin's Creed”, que em seu roteiro
mistura ficção-científica com a história real das cruzadas, e
possui gráficos tão bons quanto qualquer animação cinematográfica
de primeira linha. Como podemos notar, a indústria dos games percorreu um longo caminho
em todas suas etapas de desenvolvimento.
![]() |
De Pong à Assassin's Creed, podemos perceber que a evolução foi quase nula |
Não apenas na parte gráfica, pois isso depende muito das inovações tecnológicas de cada época, mas a parte de enredo dos jogos é algo que chama a atenção. Visando atender um público cada vez mais exigente, os enredos passaram por uma nítida evolução em sua produção, deixando de serem simples pretextos para que os personagens se digladiassem até a morte, passando a assumir uma certa ordem de protagonismo, sendo muitas vezes um dos grandes responsáveis pela boa aceitação do jogo no mercado, ou mesmo em como ele será classificado pelas revistas e sites especializados como o Comando Login. E isso faz com que, muitas vezes, os jogos se aproximem de um estado de arte.
É esse o
caso de um dos últimos trabalhos da Lionhead Studios, o famigerado Fable III.
Fable III?!
Último
lançamento da Lionhead Studios, Fable III é o que poderíamos chamar de
RPG/Ação, jogo onde suas batalhas ocorrem em tempo real, bem diferente dos RPGs orientais tradicionais, cujas batalhas obedecem
um sistema de menu de turnos. Mas não são as batalhas aquilo que mais nos
interessa neste artigo, e sim a história.
O jogo se passa no reino de Albion, mesmo local dos dois primeiros títulos da série, e acontece cinquenta anos depois do segundo jogo da
franquia. O reino passa por grandes mudanças: em meio a uma recente
Revolução Industrial, seus moradores se veem explorados por Raven,
um impiedoso chefe das fábricas, que é Logan, irmão do personagem
principal e rei tirano, que explora a população com altos impostos.
Sensível à miséria do povo, o personagem, conhecido apenas como
The Prince (O Príncipe), resolve trair seu irmão e aplicar
um golpe de estado, chamando a população para lutar ao seu lado e
derrubar de vez a tirania de Logan. Mas, apenas quando consegue tomar
o trono para si, descobrimos que havia um motivo por detrás de todo
aquele abuso: um grande mal chamado “Crawler, Ruler of Darkness”
(algo como Crawler, o Mestre das Trevas) deseja acabar com toda a
vida de Albion, e uma decisão moral nos é proposta: ser um rei
benevolente e correr o risco de ter sua população aniquilada, ou
ser um tirano e continuar explorando o povo, afim de conseguir fundos
para financiar um exército forte o suficiente para enfrentar essa
ameaça e salvar o reino?
Mas esse clima pesado, de dúvida e moralidade, não é o que toma conta do jogo. Há um grande ar de comédia nele. Uma comédia seca, irônica, às vezes até nonsense, típico do humor inglês. Esse ar cômico pode ser visto desde a sequência de abertura, perdurando-se durante todo o decorrer do jogo.
![]() |
Jaime Lannister, é você? |
A
sequência de abertura de Fable III é, talvez, além de uma
das mais engraçadas da história dos games, uma das mais poéticas.
Utilizando-se do recurso de sobreposição de temas, enquanto um
narrador nos apresenta um discurso de naipe revolucionário de cunho
marxista, as imagens, sincronizadas com o discurso, nos mostram a
saga de uma galinha que tenta fugir de seu destino como almoço. O
vídeo logo de cara nos remonta à cena inicial do filme O Sentido
da Vida, do grupo de humor britânico Mounty Python, onde velhos
piratas ingleses navegam pelo mar dos investimentos internacionais.
Paralelo esse que talvez tenha sido proposital, já que o ator e
humorista John Cleese (um dos fundadores da trupe de humor britânica)
participou do projeto, cedendo a voz a um dos personagens.
(Caso não apareça de primeira, é só clicar no botão que parece uma cartinha pra ativar as legendas)
Mas e o Kiko?
A
sequência de abertura de Fable III nos apresenta um bom
exemplo de intermídia: navegando entre o discurso filosófico, o
humor irônico e o aspecto visual compatível com as tecnologias de
ponta, ela tenciona mostrar como um trabalho, que não é puramente
visual (já que apenas a sequência de imagens não teria qualquer
efeito sobre o jogador), puramente filosófica (já que apenas o
discurso marxista não teria muito nexo no decorrer do jogo) e nem
puramente cômica (já que é a sobreposição das imagens sobre o
discurso que dá o caráter cômico, sem perder a força das palavras
ditas), mas, sim, que transita entre esses três aspectos, e depende
de que todos eles estejam presentes para fazer sentido. E isso nos
fornece uma sequência cujas palavras ecoam em nossas cabeças quando
a terminamos de assistir, deixando-nos um sentimento de que algo
grandioso nos aguarda no decorrer do jogo. Ou, pelo menos, é isso
que começamos a achar assim que conseguimos parar de rir.
Porque
uma privada pode ser arte, no sentido Andy Warhol da palavra. Uma
caixinha de chicletes pode ser arte, no sentido Philadelpho Menezes
da palavra. Arames farpados podem ser arte, no sentido Avelino de
Araújo da palavra. O uso de palavras e a inversão de sua letras
sobre uma trilha sonora improvisada pode ser arte, no sentido Melo e
Castro da palavra.
A
sequência de abertura de Fable III também pode ser arte.
No sentido Monty Phyton da palavra.
0 devaneios:
Postar um comentário