Julia Gabriele: Quando a internet se torna cruel demais


Julia Gabriele é uma criança. Tem 12 anos, gosta de Demi Lovato e ouvir música, estuda, brinca com seus amigos: uma criança normal e feliz. Mas como todos nesse mundo conectado, Julia tem um perfil virtual, apesar da limitação de idade do Facebook de no mínimo 13 anos - algo que não impede muito quem cria, já que raramente se fiscaliza esse tipo de coisa antes de alguma denúncia mais assídua. Mas a história sobre Julia e suas aventuras no mundo online não é feliz: ela nos ensina como a internet pode ser cruel e mostrar a face mais perversa do ser humano.

Piadas podem ir longe demais...
Tudo começou quando uma página de "humor" - como uma daquelas milhões que tem por aí - descobriu o perfil de Julia e passou a usar as suas fotos como um meme. Embalados em um sucesso repentino, várias outras páginas foram criadas, replicando os memes que passam dos milhares de compartilhamentos e curtidas. Sua sobrancelha passou a se tornar centro de várias piadas, e a agressividade delas ficava cada vez maior. Das páginas de humor, seu perfil real foi encontrado. A situação se torna mais grave. Em seu perfil, centenas de pessoas começam a postar fotos de instrumentos cortantes, pinças, aparelhos de barba. Ferida pela ação, ela chora e se torna mais uma vítima de uma sociedade que não perdoa "defeitos".



Julia Gabriele: "estou muito xatiada com tudo isso, todas as pessoas estão rindo de mim, pessoas da minha cidade, pessoas que conheço, aqui na internet, estou chorando o dia inteiro por causa de vcs queria ver se voces fossem gostar se estivessem no meu lugar"
Cabe dizer, antes de qualquer comentário, que não sou um adepto da onda do politicamente correto. Transformar o humor em água com açúcar e impedir o uso de arquétipos e esteriótipos (assim como os grandes e históricos humoristas sempre fizeram) é uma visão deturpada que não compartilho. Mas pegar uma criança de 12 anos entrando na adolescência e transformar a imagem dela em um humor baixo e agressivo é estupidez humana. Quando se destrói a auto-estima de um ser humano em fase de formação de personalidade para uma piada que além de tudo é ruim? Puro sadismo que expõe um dos lados mais perversos da internet. Mas a física já nos ensinou: toda ação tem uma reação.

Assim como o ataque, as manifestação de apoio se multiplicaram. Páginas surgiram, imagens foram criadas, mas ainda assim restava o argumento: "se você não queria ser zoada, porque não comprou uma pinça e acabou com seus problemas?" São respostas tristes que evidenciam problemas sociais bem mais profundos e seus paradigmas da ditadura da beleza. Afinal, porque uma criança de 12 anos precisa se preocupar em manter a sobrancelha aparada e o buço depilado? E se ela escolheu não fazer isso, deve ser motivo de críticas por ser criança e não querer se preocupar com a aparência "ideal" que esperam dela? Não ser da maneira com que os outros querem por saber "que a internet tem dessas coisas e zoa todo mundo mesmo" e usar isso de desculpa para a violência? São questionamentos que surgem e revoltam, mas que evidenciam algumas coisas da própria personalidade e essência das pessoas.

Falar mal dos outros é um mecanismo para se sentir valorizado. É uma expressão do ego humano. Comparando alguém como inferior cria-se uma falsa sensação de superioridade, um preenchimento de uma lacuna de baixa auto-estima, muitas vezes criada justamente por atitudes agressivas como essas. É um ciclo de pessoas que buscam validação exterior baseada na violência, gerando cada vez mais violência. Uma atitude que revela mais sobre agressor do que sobre o agredido.



Mas é possível lutar contra esse ciclo, para além de filosofias e #revolts. Você pode fazer algo por ela e outras Julias por aí com ferramentas que o próprio Facebook nos oferece.

Combatendo o cyberbullying no Facebook

Apesar de ser bem permissivo, apesar das regras, quando se trata de menores de idade no Facebook, é frequente que a rede social apague ou puna usuários por publicação de fotos inadequadas após muitas denúncias. E é assim que se faz para impedir que a prática se perpetue.


Segundo o Facebook, é possível denunciar qualquer ato que vá contra os Padrões da Comunidade entre ele, temos o tema:

Bullying e assédio

O Facebook não tolera bullying ou assédio. Permitimos que os usuários falem livremente sobre assuntos e pessoas de interesse público, mas tomamos medidas em relação a todas as denúncias sobre comportamento abusivo direcionado a pessoas em particular. Solicitações de amizade ou mensagens indesejadas enviadas repetidamente a outros usuários é uma forma de assédio








Então, se você pode fazer algo para demonstrar sua revolta, a denúncia é a melhor ferramenta. Vamos esperar que o pessoal do Facebook aja rápido e que o pesadelo de Julia possa acabar o quanto antes.

Por Pedro Santoro Zambon


ATUALIZAÇÃO

A repercussão do fato gerou efeito. Pouco mais de 24h depois da publicação das imagens as páginas responsáveis ficaram fora do ar. Outras foram criadas, mas logo são denunciadas e retiradas. O lado bom da internet está triunfando, felizmente... Obrigado a todos que fizeram parte dessa campanha e denunciaram o conteúdo. Vamos esperar que esse tipo de ato não se repita e que Julia supere esse episódio.

5 devaneios:

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  3. Olá. Sobre o seguinte trecho:
    "Cabe dizer, antes de qualquer comentário, que não sou um adepto da onda do politicamente correto. Transformar o humor em água com açúcar e impedir o uso de arquétipos e esteriótipos (assim como os grandes e históricos humoristas sempre fizeram) é uma visão deturpada que não compartilho. Mas pegar uma criança de 12 anos entrando na adolescência e transformar a imagem dela em um humor baixo e agressivo é estupidez humana. Quando se destrói a auto-estima de um ser humano em fase de formação de personalidade para uma piada que além de tudo é ruim?"Achei bacana a iniciativa de falar sobre esse assunto que é delicado e soa bastante cruel mesmo esse tipo de atitude, especialmente com uma criança. Mas acho que esse trecho torna a sua crítica bastante limitada. Penso que uma visão deturpada e uma forma de humor bastante conservadora, responsável inclusive por fatos como esses que vc relatou, é fazer piada com aqueles que são alvo desses estereótipos tomados como inferiores. A menina que não se depila, o homossexual, o negro, o nordestino, enfim... É justamente por não romper com esse tipo de "humor" (que tem graça apenas para uma parte das pessoas, destruindo a auto-estima de uma outra parcela de pessoas), que crueldades como essas acontecem.
    Há algo de vergonhoso em ser "politicamente correto"? Isso não significa não fazer piadas com estereótipos, mas abre margem para um tipo de humor que faz piada com quem perpetua esses estereótipos (ou se torna um agressor a partir deles). Não sei se vc ja assistiu o documentário "O riso dos outros" (http://www.youtube.com/watch?v=PRQ1LuBWoLg), recomendo fortemente. Sem graça mesmo é o humor que não é inovador, e há diversas formas de humor diferentes das que estamos acostumados e que perpetuam preconceitos, discriminações e humilhações. A originalidade, sempre tão atrelada ao humor, é mais do que nunca essencial.

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    1. Olá. Agradeço o comentário e as contribuições. Achei o documentário indicado muito interessante, realmente não conhecia. Aceito seus argumentos, mas quando me referi aos grandes humoristas, relembro de personagens de Mazzaropi, Jerry Lewis, Chales Chaplin, Monty Python, além de outros nacionais menos lendários mas igualmente memoráveis de Chico Anísio, Renato Aragão (e os demais Trapalhões), Casseta e Planeta e porque não Mamonas Assassinas, que sempre se valeram de arquétipos e esteriótipos para fazer um humor que nem por isso é necessariamente agressivo. O paradigma do politicamente correto é quando se transforma tudo em ofensa, cria-se um excessivo protecionismo sobre a caricaturização que é, por definição, expôr e evidenciar os defeitos de maneira satírica para fins humorísticos. E o humor é assim, desde os seus primórdios dos clowns e bufões medievais. Mas quando o cerne desse humor é a ofensa e a agressão, de fato há limites. O problema é que, como uma reação de ultra-prevenção em relação a qualquer ato de preconceito da sociedade, tudo se torna agressivo aos olhos de quem quer interpretar como tal. Aí surge uma caça às bruxas do humor. É um paradoxo que ainda não tem uma resposta clara, mas cuja visão satanizadora do humorista não compartilho. E não queria evidenciar no meu texto alguma espécie de falso moralismo colocando o humor como o grande apedrejador das mazelas e minorias, e demonstrando que muitas vezes ele é uma consequência de um comportamento muito mais profundo da sociedade.

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  4. Bom, o Facebook pode começar deletando a conta da menina, já que ela está em formação e não tem idade especificada nem nos termos do próprio Facebook para ter uma conta, que é 13 anos.

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