Esse post conta como Peter
Jackson conseguiu adaptar em uma trilogia um livro infatil que não daria
nem para um filme. Antes de mais nada, quero (o autor desse post) deixar claro
que assisti ao filme duas vezes para garantir que não escreveria merda aqui,
mas, nem assim, dou essa garantia. Para
quem está com medo de spoilers, separei essa parte no subtítulo em AZUL, “Senta
que lá vem história”. De resto, é spoiler
free. Tomem seus acentos, desliguem os celulares que o filme já vai
começar. (É recomendável dar o play na música abaixo para aproveitar melhor
esse post).
Far over the misty mountains rise
Lead us standing upon the height
What was before we see once more
Is our kingdom a distant light
Além das montanhas geladas e místicas até os labirintos
profundos e as cavernas mais antigas, cantam os anões saudosos de suas terras
que foram roubadas por um maligno dragão gigante. Esse é o motivo que leva 13
anões e um Hobbit a uma jornada de recuperação das terras que outrora os anões
chamavam de casa. Mais que a terra, os gananciosos anões mais sentem falta é do
ouro.
Tempos atrás estava o filho de John Ronald Reuel Tolkien (conhecido na boca miúda apenas por
Tolkien) entediado em casa sem vontade de cantar uma bela canção, quando seu
pai resolveu escrever um livro infantil para entreter o menino. Essa é a lenda
do nascimento da história. Mas o que a gente tira daqui é o caráter infantil.
Sim, pessoa desavisada, o Hobbit é uma
história infantil.
Aqui nasce também a primeira - de muitas - pedras no sapato
de Peter Jackson. Como dar continuidade ao caráter épico, de guerras e
guerreiros de Senhor do Anéis em uma história infantil? A mão do PJ (para os
íntimos) já aparece nessa mudança, ele precisa fazer de Hobbit uma continuação
para a jornada do anel. Contudo, Tolkien fez sua obra ao contrário: o Senhor dos Anéis (vulgo LOTR), que é a
maturidade do autor. Com genialidade, PJ faz os anões pequenos gigantes; os
trolls, maiores que os maiores trolls. ainda une os filmes de uma maneira
interessante, que será explicada em momento de spoiler. Outra genialidade: as
músicas. Ver os anões lavando a louça nunca foi tão divertido como na telona.
Elas ditam o rítmo, alegram, deixam o ar sério e, é claro, com o instrumental
já conhecido do Senhor dos Anéis rolando o tempo todo.
Senta que lá vem história - inventada
![]() |
Olha o PJ aí, diretor do filme |
Para quem esperava mais antes de spoilers, se ferrou. Não dá
para falar desse filme sem falar da história. Não estamos aqui só para endeusar Peter Jackson, vulgo PJ. O cara
mudou muita coisa para esse filme, muita coisa mesmo. Isso quer dizer que,
mesmo que você tenha lido o livro, essa pode ser uma zona cheia de spoilers.
Para fazer de Hobbit a sequência de Senhor dos Anéis, algo
já esperado: o filme começa no dia do aniversário de Bilbo - lembra quando ele
some no Senhor dos Anéis? Jogada interessante e com certa lógica. Na segunda edição do Hobbit, Tolkien buscou
fazer alguma ligação com a sequência que faria da história, mudando a cena
entre Gollum e Bilbo. No início, ambos apostam o anel sem esse caráter de
violência de Gollum. A mudança enfatizava e criava a verdadeira história de
Gollum e o Anel: o possuidor sendo possuído. Ou seja, o link entre os dois
filmes aparece é aceitável - e até interessante. Mas parece que o PJ errou na
mão.
Vamos à primeira invenção da cabeça de PJ: a aparição dos outros magos. Existem
três no universo de Senhor dos Anéis: o já bróder da galera Gandalf, o Cinza;
aquel do LOTR Saruman, o Branco; e o conhecido só dos fãs hardcores, Ragadast,
o Marrom. Legal aparecerem esses dois últimos, mas eles sequer são citados no
livro.
O Branco surge em um momento explicável. Ao que tudo indica,
ele aparece para enfiar o pé nos planos de Gandalf, já fazendo uma ligação com
LOTR, óquei!!
Agora, o Ragadast foi um 0800 aparição, totalmente gratuito,
para encher um filme com um enredo curto. Voltando ao ponto, a história é
infantil, rápida e rasa, seria a conta para um filme. A decisão - estritamente
comercial - de fazer uma trilogia pediu mais água no feijão e a intromissão de
Ragadast é uma dessas gotas.
Outro ser que saiu “direto” da cabeça do PJ para a telona
foi o super-inimigo de Thorin, o orc
gigante Azog. De fato, ele existe no mundo de Tolkien, matou o avô de
Thorin na guerra de Moria, mas nada tem que ver com o Escudo de Carvalho.
Também nem sequer é citado no livro. Logo, o final do filme foi praticamente
inventado pelo PJ.
Isso também é explicável. A história original não traz um
enredo típico de Hollywood, com bem contra ao mal, herói e vilão. Para
adaptação, era necessário um vilão, Peter Jackson só o procurou em outra
história.
No mais, sem ficar com apontamentos chatos de “isso tem,
isso não tem” - até porque quem leu sabe identificar isso -, a ideia é mostrar
que para fazer do filme O Hobbit um blockbuster, Peter Jackson precisou, e
muito, sacrificar o original e fez muito bem feito. Em outras palavras, a
adaptação foi feita para quem não leu o livro e não conhece a história
original.
Vale a
pena?
O Hobbit é
um ótimo filme, uma adaptação genial, mas que respeitou pouco os fãs mais
hardcores. Houve tantas mudanças grandes que as pequenas são difíceis de
ignorar (como o modo pelo qual Bilbo encontra o anel, por exemplo). Se você leu
o livro, vá esperando ver outra história. Se não, aproveite. Como fã e leitor, voltei um pouco
decepcionado para casa.